30 Anos da Lei 9.099/95
Uma Análise do Legado dos Juizados Especiais no Brasil
Andreas Fleck
10/23/20253 min read
Em setembro de 2025, a Lei nº 9.099 completa 30 anos de sua promulgação, um marco legislativo que redefiniu o acesso à justiça para milhões de brasileiros. Antes de 1995, as chamadas "pequenas causas" frequentemente se perdiam na complexidade e morosidade da Justiça Comum. Este artigo se propõe a analisar o cenário jurídico anterior à sua existência, as transformações que a lei implementou e o legado duradouro dos Juizados Especiais na sociedade brasileira.
O Cenário Jurídico Pré-1995: A Justiça Inalcançável
Para o cidadão comum e o pequeno empresário, o cenário jurídico brasileiro até meados da década de 90 era, em muitos aspectos, desencorajador. Qualquer conflito de menor complexidade — um produto entregue com defeito, uma batida de carro sem vítimas, um cheque de baixo valor não pago — precisava ser levado ao rito ordinário da Justiça Comum.
Este caminho era marcado por duas barreiras principais: o custo e o tempo. As custas processuais iniciais, somadas aos honorários advocatícios, muitas vezes tornavam economicamente inviável a busca por reparação. Além disso, o processo era pautado por um formalismo rigoroso, com longas fases escritas e uma lentidão crônica que se estendia por anos. O resultado era uma descrença generalizada no sistema, onde o ditado "ganha, mas não leva" resumia o sentimento de que, para "pequenas causas", o direito existia apenas na teoria.
Os Pilares da Mudança: Celeridade, Simplicidade e Conciliação
A Lei 9.099/95 não foi apenas uma reforma; foi uma quebra de paradigma. Ela instituiu um microssistema processual totalmente novo, fundamentado em cinco princípios que atacavam diretamente os problemas do modelo anterior: oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade.
A priorização da palavra falada (oralidade) e a redução de exigências formais (informalidade e simplicidade) tornaram o processo mais ágil e compreensível. A economia processual, materializada na isenção de custas em primeiro grau de jurisdição, removeu a principal barreira financeira ao acesso.
Contudo, a mudança mais profunda talvez tenha sido cultural: a lei colocou a conciliação como o objetivo primordial do processo. A primeira etapa é, invariavelmente, uma tentativa de acordo, transformando a mentalidade de um sistema puramente litigioso para um que valoriza a solução consensual.
O Impacto na Prática: A "Porta de Entrada" da Cidadania
O impacto dos Juizados Especiais foi imediato e profundo. Para o cidadão comum, o JEC tornou-se a principal ferramenta de efetivação do Direito do Consumidor. De repente, tornou-se viável processar grandes corporações — bancos, companhias aéreas, empresas de telefonia — por falhas na prestação de serviços ou cobranças indevidas, equilibrando uma relação historicamente desigual.
Para as pequenas empresas (MEI, ME, EPP), o JEC abriu uma porta que estava fechada. A possibilidade de cobrar dívidas de forma rápida e barata permitiu a recuperação de créditos que, antes, eram simplesmente lançados como prejuízo. Isso trouxe um novo fôlego para a saúde financeira de milhões de pequenos negócios, permitindo que o "pequeno" processasse o "grande", ou mesmo outro "pequeno", de forma eficiente.
Três Décadas Depois: Os Desafios do Próprio Sucesso
Hoje, 30 anos depois, os Juizados Especiais enfrentam os desafios de seu próprio êxito. O sistema, concebido para ser célere, lida com um volume colossal de processos, muitas vezes em "demandas de massa" (ações idênticas contra as mesmas grandes empresas), o que gera novos gargalos e ameaça a celeridade original.
Além disso, a transição para o processo 100% digital trouxe um novo paradoxo. Se por um lado a tecnologia agiliza o trabalho interno, por outro ela pode criar uma barreira de exclusão digital. O jus postulandi — o direito de entrar com uma ação sem advogado para causas de até 20 salários mínimos — torna-se um desafio para o cidadão que não possui acesso ou familiaridade com os sistemas eletrônicos dos tribunais.
Conclusão
O legado da Lei 9.099/95 é inegável. Ela foi, e continua sendo, o mais importante instrumento de democratização do acesso à justiça na história recente do Brasil, transformando direitos abstratos em reparações concretas. O sistema provou seu valor, deu voz a quem não a tinha e forçou o mercado a levar o consumidor mais a sério.
Os desafios atuais, como o volume excessivo e a barreira digital, não diminuem a importância da lei. Pelo contrário, eles apontam para a necessidade de adaptação, investimento em tecnologia assistiva e gestão, para garantir que o espírito de simplicidade e celeridade que inspirou a lei em 1995 continue a servir à sociedade brasileira nas próximas décadas.


